Pronto, mãe, vês como fui capaz de escrever coisas que sinto e penso e que nunca consegui dizer ? Porque a língua portuguesa falada já não é a Pátria de ninguém, como um dia disse um poeta. É cheia de silêncios e quebrantos que só se desamarram na ponta dum aparo ou no teclado dum computador.
Amanhã vou telefonar-te, mãe, já depois de ter posto esta carta no Correio. Mas não te vou falar dela. Vou perguntar-te pela consulta do pai, o que comeram ao almoço, vou contar-te algumas das minhas façanhas alemãs, mas não te vou falar dela. E peço-te que, quando a receberes e leres e depois de tu e o pai terem chorado a minha ausência e a minha dor, não me fales dela também. Vamos fazer de conta que a boca não sabe o que a mão fez.
Tenho saudades de ti e do pai. Beijos da
Carla
