Eram hibiscos de todas as cores

José Bento

José Bento

Naquela clareira ficaram eles, no meio da luz, prontos para ultra­passarem juntos todos os portais, quer os da morte que dão para outra vida, quer os do nascimento que os trariam de volta a esta.

Ao longe, nas diversas partes do globo, as pessoas continuaram a sofrer de graves doenças e a morrer prematuramente por causa delas, doenças que já poderiam ter cura se todos se unissem na in­vestigação das suas causas. Milhões de crianças continuaram a ser vítimas de maus tratos e uma delas a morrer de fome de cinco em cinco segundos. Milhões de pessoas, física ou mentalmente menos dotadas, continuaram a ser alvo de discriminação e indiferença. Milhões de idosos continuaram a ser abandonados, os ambiciosos e egoístas continuaram a armazenar as riquezas, completamente indiferentes à pobreza existente, ao sofrimento enorme causado pela sua voracidade, os governantes continuaram a dizer palavras cínicas para que o povo permanecesse enganado e assim melhor se deixasse explorar, os exércitos continuaram a preparar homens para serem matadores eficazes, as potências, quer as grandes quer as pequenas, continuaram a desperdiçar somas imensas na compra de armas, na construção de campanhas eleitorais, na im­pressão de biliões de panfletos que anunciam a mentira, os siste­mas políticos continuaram a ser formas de opressão, mesmo que formalmente democráticos, milhares de religiosos continuaram a dizer-se ministros de deuses que eles nem amam nem conhecem e a sacrificarem milhões de pessoas ao conteúdo de palavras que estão dentro dos livros sagrados, mas que eles não incorporaram dentro de si até chegarem ao fundo dos seus corações.

Mas nem os ambiciosos e egoístas, nem os governantes cínicos, nem os responsáveis pelos exércitos que existem para oprimir, nem os propagandistas de ideias falsas, nem os religiosos que de­sprezam o homem, nem todos aqueles que trazem dentro de si o hábito da mentira ou o sentimento do ódio ou da indiferença face ao seu semelhante, tiveram a sorte, como eles, de ficarem no centro da clareira, banhados pela mesma luz, participando no banquete divino, e de serem capazes de atravessar de mãos dadas, envolvidos na paz e na harmonia, todos os portais da existência.

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